Ao sul do continente, na península, ficava Leonis. Grande cidade comércio do mundo. Vivia uma falsa paz, liderada pelos Rei da ordem dos guerreiros. Seu povo oprimido ainda lutava com pouca força para conquistar, ou tomar, aquilo que lhe pertenciam de direito: Terra para manter seu povo. Mas de um tempo para cá, os senhores da ordem haviam passado a abastecer as cidades com mais alimentos provindos das áreas rurais e cervejas e carnes. E algumas vozes que antes murmuravam contra a opressão dos senhores e suas máquinas, passavam a dizer em alto e bom som nas ruas: “Viva o senhor generoso! Que a abundância encha os seus salões nos palácios longínquos!”, mas alguns ainda pensavam que a mão que cede, uma hora iria cobrar seu tributo, e desconfiavam até mesmo da água que bebiam.
Entre os cidadãos de Leonis estava Ian Solaris. Patrono das ervas e medicina local. Vivia nas afastado da região urbana de Leonis, mas tratava frequentemente os habitantes da cidade, e os mais conservadores e céticos o chamavam de feiticeiro, embora fosse mais no sentido de curandeiro e médico, e o apontavam sempre que passava pela cidade. Porém, ele nada mais era que um amante e estudioso da natureza. Sentia que havia muito mais mistério no mundo que as ervas que realizavam milagres entre o povo, embora desconfiasse que algum dia pudesse entender o mistério que as plantas já haviam pouco lhe revelado.
Solaris estava na borda da floresta, em sua sua morada, que ficava entre as árvores e a cidade de Leonis no alto de um morro, e o sol descia no horizonte para se esconder atrás das pontas das árvores, deixando a soleira da cabana de dois andares com uma luz brilhando da cor verde e dourada.
O “feiticeiro” observava o céu naquele fim de tarde quando uma cavalaria surgiu subindo o pequeno morro rumo a floresta. Raramente os guerreiros se aventuravam por aquelas bandas tão ao Sul, preferindo os batalhas com o reino do norte pelo direito das terras sem ninguém. E embora ninguém soubesse o porquê dessa disputa, ela ocorria a muitos anos, antes mesmo do nascimento de Solaris e de qualquer um que ainda estava vivo naqueles tempos.
Sentado em uma rocha, Solaris notou dois cavaleiros se aproximando enquanto o resto da comitiva aguardava muitos metros atrás, antes da cabana. Portavam uma bandeira com um brasão onde um martelo batia em uma joia negra, insígnia milenar da família Huther, e seu rei chamava-se Erald.
Os dois desceram de seus cavalos e anunciaram:
– Em nome do rei Huther, buscamos o feiticeiro, Solaris. – Disse o cavaleiro.
Pois aqui estou, senhores. – respondeu o homem abrindo os braços.
Eles trocaram olhares entre si e continuaram o observando o homem como se ele estivesse blefando. O curandeiro riu: – O que vocês estavam esperando? Um velho de chapéu pontudo? O que desejam?
Os dois se empertigaram e com um certo incomodo responderam: – Nos disseram que um velho habitava este local. E pensamos que… Solaris é você?
É claro, que Solaris não era um velho, e longe disso, com suas 27 luas de vida. Disse: – Não é precavido quem acha que apenas senhores possuem sabedoria. Mas sim, eu sou Solaris.
Os cavaleiros um pouco desconcertados pela afirmação do homem, então lhe disseram que o senhor das terras de Leonis, Erald Huther estava em uma carruagem logo atrás e desejava vê-lo com certa urgência. Solaris fez uma reverência e os acompanhou. Prostraram-se cada um de cada lado do mestre da medicina, e se dirigiram caminhando a pé em direção a carruagem enquanto os cavalos pastavam ali perto.
A Carruagem era negra com cerca de dois metros de comprimento e puxada por dois grandes cavalos. Quando se aproximou, uma portinhola se abriu e um homem de idade avançada desceu os pequenos degraus apoiado em uma pequena bengala negra. Era de estatura baixa com cabelos longos caídos sobre o manto também negro e longo que ia até os pés. Embora encurvado sobre a bengala, tinha um rosto austero e uma expressão fechada, como se estivesse fazendo força para carregar um grande peso. Ele observou o homem que estava entre os dois cavaleiros e tambores soaram. Uma voz grave se sobressaiu aos sons ao redor: – Eis, Erald Huther, senhor das terras de Leonis e além.
Todos se curvaram em reverência e Solaris dobrou os joelhos. Erald fez um sinal para que deixassem os dois a sós.
Quando os cavaleiros estavam a uma certa distância, que não era maisbque cinco metros, o senhor então disse:
– A extrema necessidade me fez vir atrás dos seus serviços, mestre da cura. Mas esta necessidade necessita de sigilo. – Olhou nos olhos de Solaris, que confirmou com a cabeça para o velho. – Sua fama é grande tratando-se de medicina, ou feitiçaria, como me dizem. E tenho alguém que necessita do seu empenho. – Abriu a porta da carruagem, e os dois entraram.
Havia uma garota jovem, de cabelos vermelhos e curtos, não devia ter mais que 14 anos. Estava deitada em uma poltrona e respirava com muita dificuldade. Quando entraram, virou o rosto para o senhor idoso e Solaris viu que em seus olhos não eram comuns. Tanto pupila quanto a íris dos olhos eram brancos. O curandeiro se aproximou e a jovem virou os olhos para ele. Apesar dos olhos sem pílulas, ele sentiu que ela olhava para ele.
– Minha querida, filha. – disse Erald – Heis o curandeiro que tantos nos indicaram para tratar de sua maldição. – A jovem sorriu.
– Maldição? – Questionou Solaris.
– Maldição. – Repetiu. – Gradativamente minha filha passou a perder a visão. E embora tudo que pudesse ser feito esses meses para inibir este problema seja feito, nada pôde resolver a doença da minha criança. E apesar disso, ela sabe, ou melhor dizendo, ela enxerga tudo o que acontece. Como se enxergasse através da escuridão da cegueira, como se uma visão existisse. Pois, sim. Uma herdeira do trono que não enxerga, está é a maldição que cai sobre nós neste momento.
Enquanto Erald falava, Solaris analisava a jovem. Olhou para os olhos dela bem de perto e ficou estupefato. Sentou-se ao seu lado, e segurou as suas mãos. Ela apertou a dele, e ele acariciou a dela. – O que você enxerga? – Perguntou.
– Vejo a sombra de pessoas. -Respondeu.
– O que significa que a senhorita ainda enxerga. – Disse sorrindo. – Ela sorriu de volta. O curandeiro olhou para o pai da jovem e sua expressão ficou séria. – Quanta verdade você suporta? – Perguntou ao rei.
– Diga-me o que sabe . – Respondeu o velho. Solaris observou o rei por um instante. A garota dos olhos brancos olhava fixamente para o curandeiro.
– Não há maldição. Não há doença. Mas existe algo que vejo através do olhos desta criança. Como se olhos de outros vissem através dos dela.
– Olhos de outros. – Repetiu lentamente o senhor. – Olhos de quem?
– Olhos que vigiam, olhos que não reconheço, mas que estão aqui. E ouvem nossa conversa nesse momento.
O rei olhava para Solaris com uma expressão incrédula no rosto. Seu olhar passou da filha, para a janela da carruagem. Solaris depois notou que havia medo e dúvida no rei. – Isso é possível? – Perguntou.
– Veja você mesmo. – Pediu – Olhe nas profundezas dos olhos e você verá o que habita esse corpo.
Então tudo aconteceu em um instante pegando todos de surpresa.
No momento em que terminava a frase, a garota se levantou de um salto, soltou uma gargalhada longa e fria, que gelou o sangue tanto do rei e do curandeiro, quanto dos cavaleiros do lado de fora. Esticou a mão na direção de Solaris e ele foi levado até ela, como se uma força invisível tivesse puxado seu pescoço para a mão da garota. O rei assustado, correu na direção de sua filha. Ela ergueu a outra mão para o rei e ele voou dentro da carruagem batendo a cabeça do outro lado deixando uma mancha vermelha onde havia batido e tombou no chão, desacordado. Do lado de fora os cavaleiros forçavam a portinhola, e gritavam, mas ela estava trancada sem trinco, como se travada por um objeto pesado. Ela olhou nos olhos de Solaris e ele viu, por um instante, como se tivesse sido iluminada por uma luz negra, a silhueta da mulher mais velha que já tinha visto, altiva e poderosa, mas logo desapareceu, porém as pupilas da menina agora tinham se tornado vermelhas, e ela disse com uma voz diferente da infantil de antes, ainda segurando em seu pescoço: – Você não terá a coroa, Solaris, e nenhum da sua raça imunda!
Solaris engasgando lutava para se livrar da força descomunal dos braços da criança. E no momento que perdia a consciência, percebeu que ela olhava para fora da carruagem, com a expressão agora desesperada. E então o soltou e caiu desmaiada no chão. Antes que ele apagasse inconsciente, a porta se abriu e ele viu corpos de soldados caídos em todos os lados. Uma sombra andava atrás de uma criatura pequena que flutuava no ar e parecia uma pirâmide amarela com membros.
– Encontramos ele, Ambar. – Disse o vulto vestido de negro para o pequeno gnomo.
– Vá e avise a companhia, Corvo. – Disse o gnomo chamado Ambar. – Diga que temos urgência. E tragam a chave, não devemos nos demorar nesse lugar horrível. Ela pode voltar a qualquer momento. – Disse olhando para dentro da carruagem enquanto o sujeito chamado Corvo se transformava em uma ave e sumia no ar em um raio azul.